Podia dar o tema “The Love Boat” ao conjunto de fotografias que coloco nesta publicação e ficar-me por aqui. Só que não. Fica mesmo “Principe Perfeito”! Há sempre tanto por detrás de uma fotografia e, por detrás destas, há tanto que sei e que gostaria de conseguir contar… nem que seja um bocadinho.
Estas fotografias representam o começo de uma história bonita cujo momento de viragem culminou há… faz hoje 50 anos!
Um encontro casual e altamente improvável, em alto mar, a bordo de um paquete batizado curiosamente como “Príncipe Perfeito” num cruzeiro ao México no ano de 1973, entre um homem do mundo de 53 anos e uma gaiata de Évora de 27 anos. Os meus pais!
É sobre este encontro a 3 de agosto de 1973 e até ao momento de viragem a 13 de janeiro de 1974 que hoje vos quero contar.
O CRUZEIRO
No dia 3 de agosto de 1973 a minha mãe e uma das suas irmãs, a minha tia Leonor, foram num cruzeiro ao México a bordo do paquete “Principe Perfeito”. Embarcaram por volta das 16:00 em Lisboa – Alcântara, assistiram à passagem da barra na varanda e depois foram arranjar-se para o jantar.

Quando chegaram à sala de jantar foram encaminhadas para uma mesa de 4 pessoas. Nela já estava sentada a Isabel Saraiva, cunhada do José Hermano Saraiva e, um pouco mais tarde apareceu um senhor um bocado chateado porque o tinham colocado numa mesa diferente da que tinha escolhido. Mesmo assim, não deixou de ser delicado, apresentou-se e sentou-se em frente à minha mãe. Apresentações feitas a conversa desenrolou-se e o jantar acabou por correr bem.
Costuma dizer-se que a mesa onde nos sentamos num cruzeiro é decisiva para o resultado da viagem, e assim foi. Não mais se largaram.
CRUZANDO O ATLÂNTICO
Fizeram a primeira escala nos Açores, em Ponta Delgada, e demoraram uns 4 ou 5 dias a atravessar o Atlântico. Nesse tempo conheceram a Pepita e a sua filha, que vinham de Sevilha e um advogado português que estava a viver em Luanda (Angola) e de nome Norberto. Conheceram também o Rafael, de Valencia, o Dom Luiz, de Barcelona (Luiz Escriban Romanini?) e a sua mulher. Enamoraram-se quase todos. O meu pai com a minha mãe, a Pepita com o Norberto e a filha da Pepita com o Rafael.
Diz a minha mãe que o meu pai já não suportava ouvir o Fernando Pessa, na altura animador no paquete, sempre a meter-se com os casalinhos criados lá no barco. A coisa acabava por amainar com a entrada em cena do Thilo Krasmann, o orquestrador do cruzeiro. Acho que era por isso que, quando anos mais tarde eu repetia a expressão “E esta, einh?“, tão popularizada nos anos 80 em Portugal pela voz do Fernando Pessa, o meu pai fazia uma expressão de riso mesclada com um suspiro de “já não há paciência“.
ORLANDO E NEW ORLEANS
A segunda paragem foi em Orlando, onde visitaram a NASA no Cape Kennedy, hoje Canaveral, a DisneyWorld, que havia sido inaugurada dois anos antes e onde foram a vários divertimentos como as 20,000 Leagues Under the Sea, The Hall of Presidents e Its a Small World. Depois voltaram ao barco e subiram o rio Mississipi até New Orleans.
Em New Orleans visitaram o museu que ficava no parque e foram ao Pat O’Brien’s, onde a minha mãe apanhou provavelmente a primeira e única bebedeira da sua vida com apenas uma bebida. O famoso Hurrycane! Depois regressaram ao barco, desceram o rio Mississipi e foram pelo Golfo do México até Veracruz, onde atracaram.
MÉXICO
Diz a minha mãe que em Veracruz havia muitas mulheres com iguanas na rua.
Apanharam um autocarro muito velho, em direção à cidade do México. Havia dois diferentes programas para os viajantes: Acapulco ou visitar as cidades do México. A minha mãe e tia iam visitar as cidades do méxico e o meu pai era para ir a Acapulco, mas ao ver a escolha das meninas, trocou a viagem e acabou por ficar com elas. Na cidade do México foram visitar o museu de antropologia, e eram para ir ver a pirâmide da lua que ficava a uns 40 km da cidade. Só que o taxista desviou caminho e levou-os a ver a sua família, e por isso não viram coisa nenhuma.
Depois foram a Taxco (a capital da prata) e Cuernavaca. Estiveram nesses lugares dias antes de tremores de terra e de um grande ciclone/tornado no atlântico, tanto que os familiares de quem estava no cruzeiro estiveram durante algum tempo assustados e preocupados até terem notícias.
BAHAMAS, BERMUDAS E FUNCHAL
Regressados a Veracruz zarparam para as Bahamas, mas como o dia estava muito enevoado não conseguiram aproveitar quase nada, e apenas fizeram um passeio de barco. Das Bahamas foram para as Bermudas onde ficaram um dia. Diz a minha mãe que era tudo muito bonito, muito limpinho e que tinha umas grutas lindas. Ainda compraram lá roupa e depois de regressarem ao paquete atravessaram o atlântico e fizeram escala no Funchal.
Atracaram em Alcântara a 1 de setembro de 1973.
DE VOLTA A LISBOA
Em Lisboa ainda estiveram juntos alguns dias até à partida do meu pai para Moçambique, mas o tempo já era mais limitado face às obrigações familiares e ao regresso ao trabalho da minha mãe.
Numa das suas intermináveis conversas chegaram à conclusão de que o chefe da minha mãe, o Sr. Almirante José Aires Gomes Ramos era amigo do meu pai. O meu pai tinha-lhe dado muito apoio quando havia estado muito doente em Moçambique e desde aí estreitaram relações. Num dos dias em que o meu pai foi buscar a minha mãe ao trabalho para almoçar, encontraram-se e fizeram uma grande festa.
Poucos dias depois seguiram cada um com a sua vida: o meu pai regressou à sua casa em Lourenço Marques (hoje Maputo) e a minha mãe continuou a viver na casa que os seus pais tinham em Lisboa.
EU CÁ E TU LÁ
Escreviam-se todos os dias. Quase consigo imaginar a minha mãe a correr para a caixa de correio sempre que o carteiro tocava à porta. Tinham muitas saudades um do outro e a minha mãe começou a pensar que “não podia estar aqui com ele tão longe e aquela situação não tinha jeito nenhum. Queria ficar com ele! O teu pai disse-me para eu pensar bem, porque ele era muito mais velho e que, devido à situação dele – separado judicialmente de pessoas e bens -, não podiam resolver logo a situação”. Com garra tomou a decisão de dar um novo rumo à sua vida e ir viver com o meu pai para Lourenço Marques. Mas essa decisão trazia um sem número de batalhas emocionais pela frente.
Montou um álbum descritivo da viagem, com fotografias e outras colagens para conseguir transmitir o tamanho do seu amor aos seus pais e com isso, quem sabe, talvez acalmá-los. Sempre foi muito apegada à sua família e ser o motivo de uma desilusão era algo que para a minha mãe era avassalador.
Não foi fácil. Todos, todos! tentaram demover a minha mãe da sua decisão. Não por o meu pai não ser um bom homem, mas por ser uma realidade totalmente desconhecida e um relacionamento tão pouco tradicional, logo uma roleta russa na vida da sua menina.
A diferença de 26 anos era um peso gigante e uma previsão de sofrimento de perda antecipado. Essa diferença se fosse com um homem da região e conhecido da família, com uma vida mais pacata, acredito que teria sido bem mais atenuada. Mas era exatamente o contrário. O meu pai era um homem desprendido de uma vida tradicional, um homem do mundo e tão para o mundo, extremamente culto, e com os horizontes bem alargados.
Não se podiam casar por igreja, porque o meu pai tinha casado na sua juventude. Muito embora o meu pai fosse separado judicialmente de pessoas e bens, não era divorciado, nem tal na altura era possível e, por isso, não se podiam casar sequer pelo civil.
E por último, e não menos pesado, para ficarem juntos a minha mãe iria viver para bem longe, para África, onde não tinha quase nenhum suporte familiar para além do seu irmão mais velho, o Luís Gonzaga, que por ser da Marinha, lá estava.
Sentimentos à parte, a família da minha mãe sempre foi querida e sempre se superou no que diz respeito à liberdade de escolha dos seus filhos e, por isso, mesmo muito receosos e apreensivos (e todas as palavras que representem a ansiedade dos pais face às escolhas de um filho e seu trémulo e fosco destino) não puseram mais entraves e deixaram a sua filha caçula seguir.
APRESENTAÇÕES E DESPEDIDAS
No final do ano de 1973, depois de passar o Natal em Lourenço Marques com os amigos Gracinha Barbosa, Mário Buldini, João Sá Nogueira, Marisol e com as sobrinhas Fernanda e Manuela, o meu pai veio para Lisboa para acompanhar a minha mãe até à sua vida.
Hospedou-se no Sheraton, como já era habitual desde a sua abertura em 1972 e, até ao dia da partida, a 13 de janeiro, passaram quase todo o tempo em almoços e jantares de apresentação e despedida. Ambos queriam muito dar a conhecer o seu amor às suas famílias e amigos.
Ainda antes da passagem do ano o meu pai conheceu os meus avós que tinham vindo a Lisboa para o réveillon. Não deve ter sido um momento fácil para nenhum deles. Os meus avós deviam estar com um friozinho na barriga imenso, a minha mãe na expectativa de como tudo iria correr e o meu pai, sempre um senhor, mas quiçá receoso pela sua aceitação.
Soube há bem pouco tempo que um dos irmãos do meu pai, o meu querido tio Abílio, fez questão de ir apresentar-se aos meus avós e pedir a mão da minha mãe em casamento para o meu pai. Tão queridos – é a única expressão que me sai quando penso na situação. O meu tio Abílio com 59 anos, a pedir a mão da minha mãe de 27 anos, para o meu pai de 53 anos, aos meus avós maternos de 68 e 67 anos respectivamente.
A minha mãe, como tinha ainda direito a 1 mês de férias, utilizou-o antes de pedir a exoneração e trabalhou até ao dia 31 de dezembro de 1973. Para despedida organizou um almoço no restaurante Lisboa à Noite onde foram todos os seus colegas do 1º andar. Foram todos menos o Sr. Almirante José Aires Gomes Ramos e o continuo.
A passagem do ano, diz a minha mãe, foi muito engraçada. O meu pai tinha marcado uma mesa para os dois no rooftop do Sheraton para a celebração do Reveillon. A minha mãe aperaltou-se toda! Serviço completo de penteado e maquilhagem no cabeleireiro, vestido comprido preto com brilhantes, uma capa de brocado que tinha sido da sua avó, e um trancelim de ouro que era da Terry. O meu pai foi buscar a minha mãe a casa e quando ela abriu a porta ficou banzado com o que viu. Jantaram, namoraram e dançaram no lugar mais alto de Lisboa e entraram juntos no ano de 1974.
Depois e até ao dia 13 andaram a visitar todas as capelinhas, como diz a minha mãe. Quando não estavam a visitar ou a jantar com amigos, o meu pai fazia questão de levar a minha mãe a alguns dos restaurantes que frequentava na altura em Lisboa: o Escorial, Gambrinus, e o Grémio Literário foram alguns deles. Estiveram com alguns amigos do meu pai que hoje a minha mãe não se recorda do nome, estiveram com o João Pedro e Mafalda Homem de Melo, com a Graça Salema e António Rocheta, com o Osvaldo e a Mirela Levi e com algumas amigas de infância da minha mãe como a Lurdes e Fatinha Charrua e a Fafa Fonseca.
Nas vésperas da partida para Moçambique, o meu pai ofereceu um jantar de despedida no Sheraton. Para além dos enamorados estiveram presentes as irmãs da minha mãe, minhas tias Geca, Leonor e Isabel, a prima Bé, a Maria Emília Maciel e o seu marido, o Luís Pessoa e Costa, o Fernando Nunes da Silva, Zé Maria Vieira e Manuela. Contam-me que este jantar teve uma situação meio turbulenta quando, ainda a tomarem um aperitivo, um senhor que se encontrava na sala caiu inanimado. Toda a gente ficou sem saber o que fazer e o meu pai ofereceu o seu quarto para o tentarem reanimar. O Luis Pessoa e Costa saltou para cima dele e começou a fazer-lhe reanimação cardíaca sem parar e quando a ambulância chegou já o senhor estava sentado.
13 DE JANEIRO DE 1974
No dia 13 de janeiro às 13:00 os meus pais foram para o Aeroporto de Lisboa para irem viver juntos para Moçambique. As irmãs da minha mãe, a prima Bé, a Maria Emília Maciel e o Luis Pessoa e Costa acompanharam-nos nas despedidas. Os meus avós maternos não foram. Já estavam em Portalegre na casa do meu tio-avô Jaime. A minha mãe e as suas irmãs organizaram tudo por forma a que os meus avós estivessem longe, acompanhados e distraídos para não sentirem tanto a partida da sua filha caçula.
A minha mãe ia com um urso gigante e um mocho de peluche que lhe haviam oferecido. Conhecendo o meu pai, de certo e se pudesse, enfiava-se num buraco para se esconder. Mas a minha mãe estava a ficar com o coração muito apertadinho e o meu pai ao aperceber-se, enquanto se afastavam, deu-lhe o braço de apoio e disse-lhe: “Anda em frente e não olhes para trás. Fica sempre mais fácil assim.”
O voo não foi direto para Lourenço Marques. O meu pai queria oferecer uma viagem a Londres à minha mãe, mas a minha mãe preferiu ir a Luanda e, após uma viagem de avião de 8 horas, lá aterraram. Ficaram em Luanda uns 3 dias, hospedados no Hotel Trópico. Visitaram o Abílio, sobrinho e irmão de leite do meu pai e a sua mulher Mimi, e estiveram com a “bisa” (mãe da mulher do meu tio Jaime) e a minha prima Maria João. Foram a Barracuda e encontraram-se com o casal com quem tinham feito amizade no cruzeiro e que também havia “nascido” na mesma viagem, o Norberto e a Pepita.
HOME SWEET HOME
No dia 16 de janeiro puseram-se a caminho de casa, uma nova casa para a minha mãe.
A viagem para Lourenço Marques ainda demorou umas quatro horas porque só podiam voar sobre o mar e não sobre África porque o espaço aéreo estava interditado.
Às 13:30 de 16 de janeiro chegaram a Lourenço Marques e tinham uma comitiva gigante a recebê-los. Muitos para acarinhar e receber, e muitos por curiosidade “Quem seria a alentejaninha que tinha conquistado o coração do Manuel?”.
Diz a minha mãe que foi uma loucura! Foram recebê-la ao aeroporto o seu irmão mais velho, meu tio Luis Gonzaga, a mulher e os seus 3 filhos, a Fernanda, sobrinha do meu pai, com o seu marido Jorge e os seus quatro filhos, a Manuela, também sobrinha do meu pai, a Guida e o António Cunha, a Graça Barbosa e o Mário Buldini, o João Sá Nogueira e a Marisol, o António José e a Telma Palma Sequeira, com as filhas. Tudo bons amigos e mais uma série de conhecidos! Foi uma recepção épica, daquelas que só consigo imaginar em filmes.
ROMANCE EM TEMPOS TURBULENTOS
Este texto foi inicialmente publicado no meu primeiro blogue do Eu Sou porque Tu Foste em Wordpress https://eusouporquetufoste.com/principe-perfeito/ a 13 de janeiro de 2024. Transcrevo-o para aqui agora por motivos de migração para este novo domínio.
© 2024 Eu Sou porque Tu Foste. All Rights Reserved. Fotografias do Acervo Fotográfico de Manuel Augusto Martins Gomes, recuperadas por @zebmgomes para @eusouporquetufoste
Estas fotografias representam o começo de uma história bonita cujo momento de viragem culminou há… faz hoje 50 anos!
Um encontro casual e altamente improvável, em alto mar, a bordo de um paquete batizado curiosamente como “Príncipe Perfeito” num cruzeiro ao México no ano de 1973, entre um homem do mundo de 53 anos e uma gaiata de Évora de 27 anos. Os meus pais!
É sobre este encontro a 3 de agosto de 1973 e até ao momento de viragem a 13 de janeiro de 1974 que hoje vos quero contar.
O CRUZEIRO
No dia 3 de agosto de 1973 a minha mãe e uma das suas irmãs, a minha tia Leonor, foram num cruzeiro ao México a bordo do paquete “Principe Perfeito”. Embarcaram por volta das 16:00 em Lisboa – Alcântara, assistiram à passagem da barra na varanda e depois foram arranjar-se para o jantar.

Quando chegaram à sala de jantar foram encaminhadas para uma mesa de 4 pessoas. Nela já estava sentada a Isabel Saraiva, cunhada do José Hermano Saraiva e, um pouco mais tarde apareceu um senhor um bocado chateado porque o tinham colocado numa mesa diferente da que tinha escolhido. Mesmo assim, não deixou de ser delicado, apresentou-se e sentou-se em frente à minha mãe. Apresentações feitas a conversa desenrolou-se e o jantar acabou por correr bem.
Guida Bacharel (Martins Gomes) e Isabel Saraiva a bordo do paquete Principe Perfeito em agosto de 1973
MMG_B_086📷 Manuel Augusto Martins Gomes
CRUZANDO O ATLÂNTICO
Fizeram a primeira escala nos Açores, em Ponta Delgada, e demoraram uns 4 ou 5 dias a atravessar o Atlântico. Nesse tempo conheceram a Pepita e a sua filha, que vinham de Sevilha e um advogado português que estava a viver em Luanda (Angola) e de nome Norberto. Conheceram também o Rafael, de Valencia, o Dom Luiz, de Barcelona (Luiz Escriban Romanini?) e a sua mulher. Enamoraram-se quase todos. O meu pai com a minha mãe, a Pepita com o Norberto e a filha da Pepita com o Rafael.
Diz a minha mãe que o meu pai já não suportava ouvir o Fernando Pessa, na altura animador no paquete, sempre a meter-se com os casalinhos criados lá no barco. A coisa acabava por amainar com a entrada em cena do Thilo Krasmann, o orquestrador do cruzeiro. Acho que era por isso que, quando anos mais tarde eu repetia a expressão “E esta, einh?“, tão popularizada nos anos 80 em Portugal pela voz do Fernando Pessa, o meu pai fazia uma expressão de riso mesclada com um suspiro de “já não há paciência“.
Guida Bacharel (Martins Gomes) a bordo do paquete Principe Perfeito em agosto de 1973
MMG_B_099📷 Manuel Augusto Martins Gomes
Guida Bacharel (Martins Gomes) e Manuel Martins Gomes a bordo do paquete Principe Perfeito em agosto de 1973
MMG_FOT_032📷 Manuel Augusto Martins Gomes
ORLANDO E NEW ORLEANS
A segunda paragem foi em Orlando, onde visitaram a NASA no Cape Kennedy, hoje Canaveral, a DisneyWorld, que havia sido inaugurada dois anos antes e onde foram a vários divertimentos como as 20,000 Leagues Under the Sea, The Hall of Presidents e Its a Small World. Depois voltaram ao barco e subiram o rio Mississipi até New Orleans.
Disneyworld em agosto de 1973
MMG_C_052📷 Manuel Augusto Martins Gomes
MÉXICO
Diz a minha mãe que em Veracruz havia muitas mulheres com iguanas na rua.
Veracruz em agosto de 1973
MMG_C_068📷 Manuel Augusto Martins Gomes
Depois foram a Taxco (a capital da prata) e Cuernavaca. Estiveram nesses lugares dias antes de tremores de terra e de um grande ciclone/tornado no atlântico, tanto que os familiares de quem estava no cruzeiro estiveram durante algum tempo assustados e preocupados até terem notícias.
Guida Bacharel (Martins Gomes) em Taxco, no México em agosto de 1973
MMG_C_067📷 Manuel Augusto Martins Gomes
BAHAMAS, BERMUDAS E FUNCHAL
Regressados a Veracruz zarparam para as Bahamas, mas como o dia estava muito enevoado não conseguiram aproveitar quase nada, e apenas fizeram um passeio de barco. Das Bahamas foram para as Bermudas onde ficaram um dia. Diz a minha mãe que era tudo muito bonito, muito limpinho e que tinha umas grutas lindas. Ainda compraram lá roupa e depois de regressarem ao paquete atravessaram o atlântico e fizeram escala no Funchal.
Guida Bacharel (Martins Gomes) e Manuel Martins Gomes a bordo do paquete Principe Perfeito em agosto de 1973
MMG_FOT_033📷 Manuel Augusto Martins Gomes
Guida Bacharel (Martins Gomes) e Manuel Martins Gomes a bordo do paquete Principe Perfeito em agosto de 1973
MMG_FOT_034📷 Manuel Augusto Martins Gomes
DE VOLTA A LISBOA
Em Lisboa ainda estiveram juntos alguns dias até à partida do meu pai para Moçambique, mas o tempo já era mais limitado face às obrigações familiares e ao regresso ao trabalho da minha mãe.
Numa das suas intermináveis conversas chegaram à conclusão de que o chefe da minha mãe, o Sr. Almirante José Aires Gomes Ramos era amigo do meu pai. O meu pai tinha-lhe dado muito apoio quando havia estado muito doente em Moçambique e desde aí estreitaram relações. Num dos dias em que o meu pai foi buscar a minha mãe ao trabalho para almoçar, encontraram-se e fizeram uma grande festa.
Poucos dias depois seguiram cada um com a sua vida: o meu pai regressou à sua casa em Lourenço Marques (hoje Maputo) e a minha mãe continuou a viver na casa que os seus pais tinham em Lisboa.
EU CÁ E TU LÁ
Escreviam-se todos os dias. Quase consigo imaginar a minha mãe a correr para a caixa de correio sempre que o carteiro tocava à porta. Tinham muitas saudades um do outro e a minha mãe começou a pensar que “não podia estar aqui com ele tão longe e aquela situação não tinha jeito nenhum. Queria ficar com ele! O teu pai disse-me para eu pensar bem, porque ele era muito mais velho e que, devido à situação dele – separado judicialmente de pessoas e bens -, não podiam resolver logo a situação”. Com garra tomou a decisão de dar um novo rumo à sua vida e ir viver com o meu pai para Lourenço Marques. Mas essa decisão trazia um sem número de batalhas emocionais pela frente.
Montou um álbum descritivo da viagem, com fotografias e outras colagens para conseguir transmitir o tamanho do seu amor aos seus pais e com isso, quem sabe, talvez acalmá-los. Sempre foi muito apegada à sua família e ser o motivo de uma desilusão era algo que para a minha mãe era avassalador.
Não foi fácil. Todos, todos! tentaram demover a minha mãe da sua decisão. Não por o meu pai não ser um bom homem, mas por ser uma realidade totalmente desconhecida e um relacionamento tão pouco tradicional, logo uma roleta russa na vida da sua menina.
A diferença de 26 anos era um peso gigante e uma previsão de sofrimento de perda antecipado. Essa diferença se fosse com um homem da região e conhecido da família, com uma vida mais pacata, acredito que teria sido bem mais atenuada. Mas era exatamente o contrário. O meu pai era um homem desprendido de uma vida tradicional, um homem do mundo e tão para o mundo, extremamente culto, e com os horizontes bem alargados.
Não se podiam casar por igreja, porque o meu pai tinha casado na sua juventude. Muito embora o meu pai fosse separado judicialmente de pessoas e bens, não era divorciado, nem tal na altura era possível e, por isso, não se podiam casar sequer pelo civil.
E por último, e não menos pesado, para ficarem juntos a minha mãe iria viver para bem longe, para África, onde não tinha quase nenhum suporte familiar para além do seu irmão mais velho, o Luís Gonzaga, que por ser da Marinha, lá estava.
Sentimentos à parte, a família da minha mãe sempre foi querida e sempre se superou no que diz respeito à liberdade de escolha dos seus filhos e, por isso, mesmo muito receosos e apreensivos (e todas as palavras que representem a ansiedade dos pais face às escolhas de um filho e seu trémulo e fosco destino) não puseram mais entraves e deixaram a sua filha caçula seguir.
APRESENTAÇÕES E DESPEDIDAS
No final do ano de 1973, depois de passar o Natal em Lourenço Marques com os amigos Gracinha Barbosa, Mário Buldini, João Sá Nogueira, Marisol e com as sobrinhas Fernanda e Manuela, o meu pai veio para Lisboa para acompanhar a minha mãe até à sua vida.
Hospedou-se no Sheraton, como já era habitual desde a sua abertura em 1972 e, até ao dia da partida, a 13 de janeiro, passaram quase todo o tempo em almoços e jantares de apresentação e despedida. Ambos queriam muito dar a conhecer o seu amor às suas famílias e amigos.
Ainda antes da passagem do ano o meu pai conheceu os meus avós que tinham vindo a Lisboa para o réveillon. Não deve ter sido um momento fácil para nenhum deles. Os meus avós deviam estar com um friozinho na barriga imenso, a minha mãe na expectativa de como tudo iria correr e o meu pai, sempre um senhor, mas quiçá receoso pela sua aceitação.
Soube há bem pouco tempo que um dos irmãos do meu pai, o meu querido tio Abílio, fez questão de ir apresentar-se aos meus avós e pedir a mão da minha mãe em casamento para o meu pai. Tão queridos – é a única expressão que me sai quando penso na situação. O meu tio Abílio com 59 anos, a pedir a mão da minha mãe de 27 anos, para o meu pai de 53 anos, aos meus avós maternos de 68 e 67 anos respectivamente.
A minha mãe, como tinha ainda direito a 1 mês de férias, utilizou-o antes de pedir a exoneração e trabalhou até ao dia 31 de dezembro de 1973. Para despedida organizou um almoço no restaurante Lisboa à Noite onde foram todos os seus colegas do 1º andar. Foram todos menos o Sr. Almirante José Aires Gomes Ramos e o continuo.
A passagem do ano, diz a minha mãe, foi muito engraçada. O meu pai tinha marcado uma mesa para os dois no rooftop do Sheraton para a celebração do Reveillon. A minha mãe aperaltou-se toda! Serviço completo de penteado e maquilhagem no cabeleireiro, vestido comprido preto com brilhantes, uma capa de brocado que tinha sido da sua avó, e um trancelim de ouro que era da Terry. O meu pai foi buscar a minha mãe a casa e quando ela abriu a porta ficou banzado com o que viu. Jantaram, namoraram e dançaram no lugar mais alto de Lisboa e entraram juntos no ano de 1974.
Depois e até ao dia 13 andaram a visitar todas as capelinhas, como diz a minha mãe. Quando não estavam a visitar ou a jantar com amigos, o meu pai fazia questão de levar a minha mãe a alguns dos restaurantes que frequentava na altura em Lisboa: o Escorial, Gambrinus, e o Grémio Literário foram alguns deles. Estiveram com alguns amigos do meu pai que hoje a minha mãe não se recorda do nome, estiveram com o João Pedro e Mafalda Homem de Melo, com a Graça Salema e António Rocheta, com o Osvaldo e a Mirela Levi e com algumas amigas de infância da minha mãe como a Lurdes e Fatinha Charrua e a Fafa Fonseca.
Nas vésperas da partida para Moçambique, o meu pai ofereceu um jantar de despedida no Sheraton. Para além dos enamorados estiveram presentes as irmãs da minha mãe, minhas tias Geca, Leonor e Isabel, a prima Bé, a Maria Emília Maciel e o seu marido, o Luís Pessoa e Costa, o Fernando Nunes da Silva, Zé Maria Vieira e Manuela. Contam-me que este jantar teve uma situação meio turbulenta quando, ainda a tomarem um aperitivo, um senhor que se encontrava na sala caiu inanimado. Toda a gente ficou sem saber o que fazer e o meu pai ofereceu o seu quarto para o tentarem reanimar. O Luis Pessoa e Costa saltou para cima dele e começou a fazer-lhe reanimação cardíaca sem parar e quando a ambulância chegou já o senhor estava sentado.
13 DE JANEIRO DE 1974
No dia 13 de janeiro às 13:00 os meus pais foram para o Aeroporto de Lisboa para irem viver juntos para Moçambique. As irmãs da minha mãe, a prima Bé, a Maria Emília Maciel e o Luis Pessoa e Costa acompanharam-nos nas despedidas. Os meus avós maternos não foram. Já estavam em Portalegre na casa do meu tio-avô Jaime. A minha mãe e as suas irmãs organizaram tudo por forma a que os meus avós estivessem longe, acompanhados e distraídos para não sentirem tanto a partida da sua filha caçula.
A minha mãe ia com um urso gigante e um mocho de peluche que lhe haviam oferecido. Conhecendo o meu pai, de certo e se pudesse, enfiava-se num buraco para se esconder. Mas a minha mãe estava a ficar com o coração muito apertadinho e o meu pai ao aperceber-se, enquanto se afastavam, deu-lhe o braço de apoio e disse-lhe: “Anda em frente e não olhes para trás. Fica sempre mais fácil assim.”
O voo não foi direto para Lourenço Marques. O meu pai queria oferecer uma viagem a Londres à minha mãe, mas a minha mãe preferiu ir a Luanda e, após uma viagem de avião de 8 horas, lá aterraram. Ficaram em Luanda uns 3 dias, hospedados no Hotel Trópico. Visitaram o Abílio, sobrinho e irmão de leite do meu pai e a sua mulher Mimi, e estiveram com a “bisa” (mãe da mulher do meu tio Jaime) e a minha prima Maria João. Foram a Barracuda e encontraram-se com o casal com quem tinham feito amizade no cruzeiro e que também havia “nascido” na mesma viagem, o Norberto e a Pepita.
HOME SWEET HOME
No dia 16 de janeiro puseram-se a caminho de casa, uma nova casa para a minha mãe.
A viagem para Lourenço Marques ainda demorou umas quatro horas porque só podiam voar sobre o mar e não sobre África porque o espaço aéreo estava interditado.
Às 13:30 de 16 de janeiro chegaram a Lourenço Marques e tinham uma comitiva gigante a recebê-los. Muitos para acarinhar e receber, e muitos por curiosidade “Quem seria a alentejaninha que tinha conquistado o coração do Manuel?”.
Diz a minha mãe que foi uma loucura! Foram recebê-la ao aeroporto o seu irmão mais velho, meu tio Luis Gonzaga, a mulher e os seus 3 filhos, a Fernanda, sobrinha do meu pai, com o seu marido Jorge e os seus quatro filhos, a Manuela, também sobrinha do meu pai, a Guida e o António Cunha, a Graça Barbosa e o Mário Buldini, o João Sá Nogueira e a Marisol, o António José e a Telma Palma Sequeira, com as filhas. Tudo bons amigos e mais uma série de conhecidos! Foi uma recepção épica, daquelas que só consigo imaginar em filmes.
ROMANCE EM TEMPOS TURBULENTOS
Há ainda muito para contar, até porque todo este romance passou por tempos bem turbulentos. A revolução de 25 de Abril aconteceu poucos meses depois, a minha mãe grávida de mim teve de voltar para Portugal no inicio de agosto de 1974, eu nasci, o meu tio faleceu, o meu pai regressou definitivamente em julho de 1975 e conseguiram casar-se pelo civil finalmente no final do ano de 1975.
Espero conseguir continuar a contar esta história com o maior respeito e ternura que merece. É um amor como poucos e que, hoje, mesmo já sem o meu pai aqui presente fisicamente, continua vivo e é para mim um grande exemplo. Hoje, em homenagem a este amor, entreguei duas chapas à minha mãe com a inscrição:
Ver video no Instagram aqui
Para ver mais:
Espero conseguir continuar a contar esta história com o maior respeito e ternura que merece. É um amor como poucos e que, hoje, mesmo já sem o meu pai aqui presente fisicamente, continua vivo e é para mim um grande exemplo. Hoje, em homenagem a este amor, entreguei duas chapas à minha mãe com a inscrição:
Um amor que surgiu no mar, atravessou terras por ar, enfrentou adversidades e encontrou o seu lugar. Na terra e nos céus, ontem, hoje e para sempre, juntos.
13 janeiro de 1974 / 13 janeiro de 2024
Para ver mais:
- Quem foi Manuel Augusto Martins Gomes?
- Lugares vividos e visitados por Manuel Augusto Martins Gomes
- Sobre o Acervo de Manuel Augusto Martins Gomes
- Publicações do Acervo Fotográfico de Manuel Augusto Martins Gomes
Este texto foi inicialmente publicado no meu primeiro blogue do Eu Sou porque Tu Foste em Wordpress https://eusouporquetufoste.com/principe-perfeito/ a 13 de janeiro de 2024. Transcrevo-o para aqui agora por motivos de migração para este novo domínio.
© 2024 Eu Sou porque Tu Foste. All Rights Reserved. Fotografias do Acervo Fotográfico de Manuel Augusto Martins Gomes, recuperadas por @zebmgomes para @eusouporquetufoste
Mencionados nesta publicação:
Abílio Martins Gomes (PAX_MAMG_AMG), Almirante José Aires Gomes Ramos (PAX_MAMG_ALMJAGR), António Cunha (PAX_MAMG_ANT1CN), António José Palma Sequeira (PAX_MAMG_ANTJSPLMSQ), Fernanda Gomes (PAX_MAMG_FRNDGMS), Fernando Nunes da Silva (PAX_MAMG_FRNDNNSLV), Fernando Pessa (PAX_MAMG_FRNDPSS), Geca Bacharel (PAX_MAMG_GCBCRL), Graça Salema (PAX_MAMG_GRCSLM), Graça Barbosa (PAX_MAMG_GRCBBS), Guida Bacharel (PAX_MAMG_GDBCRL), Guida Cunha (PAX_MAMG_GDCNH), Isabel Bacharel (PAX_MAMG_ISBBCRL), Isabel Mendonça (PAX_MAMG_ISBMNDC), Isabel Saraiva (PAX_MAMG_ISBSRV), Jaime Martins Gomes (PAX_MAMG_JMMG), João Pedro Homem de Melo (PAX_MAMG_JPHMML), João Sá Nogueira (PAX_MAMG_JSNGR), José Joaquim Bacharel (PAX_MAMG_JSJQBCRL), Leonor Bacharel (PAX_MAMG_LNRBCRL), Luís Gonzaga Bacharel (PAX_MAMG_LSGZGBCRL), Luís Pessoa e Costa (PAX_MAMG_LSPSCST), Luiz Escriban Romanini (PAX_MAMG_LZSCRBRMNN), Mafalda Homem de Melo (PAX_MAMG_MFDVAHM), Manuela Gomes (PAX_MAMG_MNLGMS), Maria Emília Maciel (PAX_MAMG_MEMLMCL), Maria José de Oliveira Bacharel (PAX_MAMG_MJOBCRL), Mário Buldini (PAX_MAMG_MRBLDN), Marisol (PAX_MAMG_MRSLSN), Mirela Levi (PAX_MAMG_MRLLV), Norberto (PAX_MAMG_NRBTCRZ), Osvaldo Levi (PAX_MAMG_OSVDLV), Pepita (PAX_MAMG_PPITA), Telma Palma Sequeira (PAX_MAMG_TMPLMSQR), Thilo Krasmann (PAX_MAMG_THLKRSMN), Tó Rocheta (PAX_MAMG_TMCRCHT), Zé B M Gomes (PAX_MAMG_ZBMGMS), Zé Maria Vieira (PAX_MAMG_ZMRVR),
Comentários
Enviar um comentário