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Dia 1 - Viagem e Chegada a Maputo

Maputo, 25 de novembro de 2022, sexta-feira

Em trânsito

ISTAMBUL
Cheguei ao Aeroporto de Istanbul no dia 25, sexta-feira.
Era noite e estava preocupada com a possibilidade de perder a ponte aérea para Maputo. Com a pressa e a noite escura, cerrada, nem sequer deu para ver as vistas. De Istanbul posso dizer que apenas vislumbrei o aeroporto. Acho que esta cidade das sete colinas, tal como Roma e Lisboa terá de ser visitada numa próxima vez. Quem sabe um dia?
Mas remediamo-nos com o que temos e por isso posso dizer pelo menos uma coisa: tem um aeroporto enorme!

Fiquei com a sensação de ter percorrido o aeroporto de uma ponta à outra, desde o momento que desembarquei do avião vindo de Lisboa até à minha nova porta de embarque com destino a Maputo!
Andar rápido nos muitos tapetes rolantes deve-me ter poupado metade do tempo que demoraria caso não existissem. Quase voei! E, no final de tudo, não perdi a ponte aérea e ainda tive de esperar.

Entrei no avião, e fui em direção ao meu lugar, novamente à janela. Desta vez tinha companhia e ninguém se enganou no seu lugar. Acomodei-me o melhor possível para uma viagem que ia ser longa e saí de Istanbul às 02:30 AM Locais.


Voo Istambul - Maputo

A CAMINHO DE MAPUTO
Os meus companheiros de viagem, não muito faladores, gostaram tanto da comida servida a bordo ao ponto de arregalarem os olhos quando me viam a deixar alguma porção de lado. Ainda lhes disse “Do you want some?” mas a sua expressão facial respondia-me com um claro “Nevermind“. Como não sou pessoa de insistir, e só queria mesmo era dormir, a minha reação foi um claro “Ok” e encostei-me no meu canto.

Não foi preciso muito. O cansaço acabou por tomar conta de mim e a minha cabeça acabou por pender. Fui dormindo, acordando, até ao momento em que comecei a entender pelas mensagens do comandante que íamos para: Johannesburg?!?!

A comida desejada pelos meus companheiros de viagem

Entre o Turco, o Inglês com sotaque Turco, as mensagens curtas tipo telegrama, e a comunicação a la walkie talkie, não percebi um boi. Não gosto disso! Principalmente quando não consigo distinguir o nome do meu destino em momento algum da mensagem.

A aviação tem tido avanços tecnológicos extraordinários, mas no que diz respeito às comunicações entre a tripulação e os passageiros, a evolução é, aos ouvidos de um casual viajante, quase nula. E esta comunicação é tão, mas tão importante, que deviam implementar em todos os aviões, novos e melhores sistemas de comunicação. A tripulação e os passageiros em Business Class agradecem e os que vão mais atrás comigo, também.

Na ignorância resolvi perguntar a uma hospedeira se o avião ia para Maputo. Respondeu-me que sim… Acho que me entreguei, confiei na sua resposta e voltei a dormitar.

O. R. TAMBO
Conforme anunciado, aterrámos de facto em Johannesburg, no O.R. Tambo International Airport às 10:59 AM locais. Como ia chegar a Maputo, isso, era outra questão.
A tribulação informou que os passageiros para Maputo (ah! finalmente o nome!) deveriam manter-se no avião, e que teriam de aguardar uma hora até ao take off. Não estava mesmo nada à espera de ter de ficar no avião uma hora, mas como sou uma pessoa normalmente paciente, respirei fundo e mentalizei-me “É só mais um pouco Zé…“.


Voo Johannesburg - Maputo

MAIS UMA VIAGEM
A viagem para Maputo era, felizmente, curtinha.
Parti às 12:17 hora local já sem os meus companheiros de viagem que haviam saído em Johannesburg.
Gosto da adrenalina de levantar voo e de aterrar. É uma misturada de sensações, uma experiência que me arrebata. E se aliado a isto tiver uma aproximação linda como a da aterragem em Lisboa, ainda mais fantástico é.

CHEGADA A MAPUTO
Confesso que estava à espera de sobrevoar Maputo e ver as paisagens que o meu pai tanto fotografou do ar. Tal não aconteceu. Sobrevoei sobre terrenos baixos, vermelhos, rudimentarmente divididos, sem qualquer vislumbre da cidade.

Para ver publicação do vídeo da chegada clicar aqui.

O avião aterrou em Maputo às 13:37.
Descer as escadas do avião foi… emocionante. O meu corpo impelia-me para uma ação, e a minha cabeça punha-lhe um travão.

BEIJAR O CHÃO DESTA TERRA QUE ME FEZ
Mesmo parecendo à primeira vista, uma terra insipida e desinteressante, não deixava de me puxar para si, como um íman. Será que esta sensação tinha a ver com o passado do meu pai? Com as histórias que ouvi ao longo da minha vida? Por ter sido feita cá? Com a vontade imensa que sempre tive de a visitar e que finalmente se estava a concretizar? Não sei a resposta. Pode ser tudo isto junto e ainda mais, ou não ter nada a ver. O que é um facto é que eu só queria beijar o chão desta terra e desci as escadas do avião com o tico e o teco em intensa bulha espiritual.
Quase ouvi o meu pai a segredar-me ao ouvido: 
Não sejas ridícula. é só uma terra – 
E eu respondia-lhe: “Mas pai, é a tua terra do coração, parte de ti está aqui. Seria assim tão absurdo querer beijar parte de ti?“.
Não beijei o chão.
Será que por isso não beijei o meu pai?
Claro que não 🙂

CADEIA? EU?
A fila para apresentação de passaportes era grande.
Olhei para uma senhora que estava à porta e perguntei-lhe se podia fumar um cigarro aquecido ali, na rua, antes de entrar. Ela respondeu-me que se fossem cigarros normais não, mas visto que os meus não tinham combustão podia. Fiquei toda contente.
Acho que foi o primeiro momento, em toda a viagem, em que parei e permiti-me sentir. Olhar para o tudo e para o nada, baixar os ombros e sentir: "Vês? Já está! Agora Relaxa e Aproveita 🙂".

Pouco tempo depois apareceu um segurança, meio zangado a dizer que não se podia fumar ali. Estranhando a informação contraditória, disse-lhe que tinha tido o cuidado de perguntar se o podia fazer, e que me haviam informado que sim, se fosse aquecido, sim.
Respondeu-me logo com ar inquiridor com um: – Quem?!?.
Ups! 
Com receio de prejudicar a moça, disse-lhe que já não me recordava da sua fisionomia. Desliguei de imediato o cigarro e entrei.

CHECK-OUT
No primeiro guiché fui atendida por um senhor que, assim que percebeu que eu falava português, e que era de Portugal, redobrou a simpatia. Pediu-me o certificado Covid, apresentei-lhe o documento e pelo meio contei-lhe o meu contratempo lá fora, quando tinha sido chamada à atenção por estar a fumar.

O senhor riu-se, mas disse-me que eu podia ter sido presa por isso. Acho que os meus olhos se arregalaram e só naquele momento tomei verdadeira consciência do que poderia ter acontecido. Ups! Sorri e suspirei de alívio por ter corrido tudo bem.

OLHA QUEM É ELA!
No segundo guiché apresentei o passaporte e enquanto o fazia, vi a minha mala, a malona maluca, a rolar pelo tapete de bagagens que se encontrava mesmo atrás. Fiquei pasma! “O quê? Já? Mais rápido que isto é impossível.

Assim que me despedi do senhor do guiché, fui direta à mala para a levantar. 

Aquele momento em que procuramos o melhor espaço junto ao tapete de bagagens para tirar a nossa mala de forma cirúrgica, ao jeito do jogo Operação, em que olhamos para ela a reconfirmar se é mesmo a nossa, nos decidimos a agarrar e finalmente pegamos nela de forma despachada como se fosse um movimento habitual? Sim, esse momento! Quase se concretizou! Foi quase perfeito até ao agarrar na mala. Depois voltou a ser o atrofio do costume. Ainda dançamos um pouco as duas, ela fez-me girar e depois eu a ela e por fim acabámos por fazer as pazes e seguimos caminho.

SUPER FAST TRACK
Tudo no aeroporto de Maputo é… Liliputiano. Cinco passos para o Certificado Covid, 10 passos para o passaporte, 10 passos para levantar a mala, 20 passos para dar por mim já na porta de receção aos recém-chegados.

Foi tudo tão curto que nem reparei que tinha passado pela segurança que vistoria as malas e que me fez dar 3 passos atrás, com um olhar zangado como se eu fosse uma fura filas. Apenas não dei por ela…

Chegada a minha vez, de ser inspecionada, a segurança pediu-me o canhoto do meu bilhete. Olhou pare ele, depois para a mala e fez-me um gesto como se a dizer “Pode seguir, pode seguir”. E eu, sempre muito bem-mandada avancei.

FINALMENTE!
Assim que saí vi logo o Elísio, motorista do Fred e da Bia, com um papel a dizer “Zé Gomes”.
Não aguentei e abracei-o! Estava tão feliz! Quase que parecia que o conhecia já há muito e que há muito tempo não o via.

Eu e o Elísio à entrada do Aeroporto de Maputo

O Elísio foi o companheiro do Fred na viagem de procura e descoberta da casa da Namaacha, que o meu pai construiu no final da década de 1950.

Fomos para o carro, entrei para o lugar do pendura, agora à esquerda, e seguimos viagem para casa do Fred.

O caminho foi toda uma nova experiência. Foi um acordar para a realidade e perceber “já estou cá!”. A querer ver tudo e absorver tudo. Acima de tudo a querer entender o que via, encaixar e assimilar. Uma euforia misturada com, só me surge a palavra em inglês “numb”, dormência. Por outro lado, só falava. Não parava de falar. E a minha cabeça girava, girava, atenta a tudo o que mexia, a todas as cores.
É mesmo o continente da terra vermelha. Tão bonito. As lojas à beira da estrada, com montras improvisadas, são tão básicas, tão simples, mas giras. Tanta gente a cruzar a rua sem olhar. Uma amálgama de gente, um comércio maluco.

Para ver publicação de vídeo das primeiras imagens de Maputo clicar aqui

Um novo túnel de informações completamente novas aberto para o meu coração e para a minha mente! Muita informação e sensações para processar e para ajudar à festa apareceu mais uma que demorou a encaixar: “Por que raio o selo do carro onde vou tem um autocolante do meu clube futebolístico de coração? Sporting Clube de Portugal. Perfeito!

CASA
Chegámos a casa. A casa que ia ser o meu ninho, o meu porto seguro, nos dias em que estivesse em Maputo. Confesso… Não esperava uma casa assim, tão gira, tão mágica, tão aquilo que eu não sabia que precisava.

O Elísio já me tinha dito que o Fred estava a trabalhar e que a Bia estava em viagem e só chegaria no final do dia. Por isso estava à espera de chegar e a casa estar vazia. Não estava.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Assim que estamos a chegar à porta de casa estão duas senhoras e duas crianças com ar de que iam sair. Foi um pouco estranho, confesso. Cumprimentei, com um “Olá, sou a Zé” desenvencilhado de quem é secretamente tímida e segui o Elísio.

O Elísio mostrou-me o quarto onde iria ficar e lá poisou a malona bailarina. Aproveitei para descarregar as minhas coisas e pôr-me mais à fresca. Quando saí do quarto fui à procura de gente na casa, mais concretamente à procura do Elísio, que naquele momento era a única pessoa que conhecia e por isso o precioso guia de quem estava completamente aos papéis.

Entrei na cozinha e voltei a apresentar-me. Pelo menos acho que o repeti. A minha chegada à casa tinha sido meio lunática e já não me recordava bem quem é que tinha visto.

Perguntei pelo Elísio e informaram-me que estava a almoçar lá fora, no alpendre. Fui ter com ele e sentei-me ao seu lado.

Falámos sobre o cartão de telemóvel que o Fred me tinha arranjado e esteve um bom tempo a explicar-me como é que funcionavam os carregamentos. Sinceramente? Não registei quase nada. A comida dele cheirava tão bem… O ar que respirava era diferente… Os sons… Que pássaros seriam aqueles?
Estava tão inebriada com tudo, que não me encontrava apta para registar quaisquer informações práticas.

OS FILHOTES
Foi mais ou menos nessa altura que me disseram quem era a filha mais velha do Fred e da Bia.
Apresentei-me e disse-lhe que lhe tinha trazido um presente e fomos juntas para o meu novo quarto. Ajudou-me a tirar o plástico da malona, assistiu ao processo de revirar o seu conteúdo, e encontrei!

Estava mesmo com vontade de lhe dar aquele presente. Sei que a minha filhota, mesmo com 19 anos, iria achar graça receber um igual. Alguns chamam-lhe de guilty pleasure, eu chamo-lhe coisas dum momento nosso que ficou lá atrás, e que gostamos de rever, sem ninguém ter conhecimento disso. Não tem nada de errado, muito pelo contrário. Uma boneca Marinette que se transforma em Lady Bug. Até eu que sempre gostei mais de carros do que bonecas, a achei gira. A filhota do Fred gostou do presente e ainda ficou a fazer-me companhia enquanto desfazia a mala.

Quando voltei ao alpendre falei com a Alice e com a Dinha, super atenciosas comigo. Demorei algum tempo até deixar de trocar os seus nomes, mas consegui. Acho que foi uma troca justa, eu acertar nos nomes e elas, finalmente, aceitarem deixar de me tratar “Senhora” e passarem a tratar-me por Zé.

Ainda me faltava conhecer uma pessoa. O mais pequeno da família. Apareceu, envergonhado, mas atento, e perguntei-lhe se queria um presente. Assim que viu que era um carro telecomandado TT meio maluco a timidez desapareceu num abrir e fechar de olhos. Adorou!

O RECENTE AMIGO MAIS NOVO DO ANTIGAMENTE
Estava no alpendre quando oiço de longe – Zé!!!!!! Bem Vinda! -. A casa é grande, ampla, e entre o alpendre, onde me encontrava, e a porta de entrada, apenas existem as portas de vidro que dão para o alpendre, o que fez com que visse o contorno da origem da voz ao de longe.

Que Alegria! O Fred! E…, finalmente! Abraçamo-nos, pela primeira vez, e baixando de vez todas as defesas que ainda tinha levantadas por me encontrar num meio totalmente desconhecido, fui inundada pelo sentimento de concretização e de eterno agradecimento.

MAS AFINAL, QUEM É O FRED?
Esta é uma daquelas histórias que vale a pena contar e não é simples de resumir.
Não é fácil conter numa caixa tudo o que dela faz parte, quando não sabemos o quando, o como, e o porquê da geração da caixa. Quando não sabemos a quantas mais caixinhas está ligada, quando não conseguimos explicar o inexplicável. Então, cheios de fé, pegamos na caixa e vamos arrumando nela tudo o que lhe está relacionado, com a certeza que essa caixa irá aumentar, e se relacionar com cada vez mais outras caixas, não deixando nunca de fazer parte de pelo menos uma.

O Fred era uma pessoa totalmente desconhecida para mim no início do ano de 2021. Conhecemo-nos virtualmente por causa de mais uma fotografia que publiquei no Acervo Fotográfico de Manuel Augusto Martins Gomes, meu pai.

Tudo por causa do acervo e...
Comecei a recuperar os negativos do meu pai e criei o Acervo Fotográfico no ano de 2021, como uma procura espiritual, como um hobby, e como terapia para um burnout que me arrumou a um canto durante quase um ano.

Quem me conhece, e não precisa conhecer-me assim tão bem, sabe a ligação fora do normal que tinha com o meu pai. Era um pai bem mais velho que o normal na altura, com mais 54 anos do que eu. Era uma pessoa diferente, distinta, e com uma aura de tantas histórias para e por contar. Daquelas pessoas que olhamos e percebemos que é tão mais do que aquilo que quer mostrar. Não sei como, mas o que é certo é que conversávamos muito, sem falar.

O que faço no Acervo Fotográfico é isso. Conversar. Com o meu pai. Como se estivesse a ouvir uma história que ficou por contar. As perguntas que me vou fazendo, enquanto recupero digitalmente cada pixel de um momento por ele registado, acabam por ter respostas, e a história por detrás de uma fotografia começa aos poucos a formar-se. Liga-se a peças de outras histórias por ele um dia contadas, a peças de informações que me transmitiram, e acaba por ter uma história para ser contada.

… da casa da Namaacha e ...
A fotografia que me ligou ao Fred foi uma fotografia da Casa da Namaacha. Antes de 2021 não sabia da existência de uma zona chamada Namaacha e muito menos da existência de uma casa do meu pai nesse lugar. Uma casa onde ele passava férias e quase todos os seus fins de semana na década de 1960.

A descoberta, no meio dos negativos, de uma casa diferente, distinta e tão avançada para a época, num local aparentemente tão isolado, despertou-me logo a curiosidade. Se o meu pai fosse uma casa, aquela casa era ele.

Comecei a reconhecer os seus traços em outros negativos, em diferentes momentos da sua existência, inclusive desde a sua construção. Daí foi um pequeno passo a disparar perguntas para todo o lado.

Falei com amigos do meu pai, filhos dos seus amigos, para ver se recordavam de alguma coisa e não tive muito sucesso. As pessoas que se encontravam nos negativos, e que eu reconhecia, já não se encontram entre nós e as restantes eram-me totalmente desconhecidas. 

Foi uma grande amiga do meu pai, a Maria João Seixas, que me abriu a porta para a descoberta do caminho da vida do meu pai na década de 1960. E nesse caminho soube que aquela casa era na Namaacha. Fez mesmo questão que eu aprendesse a dizer o nome da forma certa: “Nama- ácha”.

Não fui só eu que fiquei encantada com a fotografia da casa. Assim que a publiquei, tive o maior pico de comentários até à altura nas páginas do Acervo Fotográfico. Houve, no entanto, uma pessoa que se destacou: O Fred.

... depois, da procura da casa esquecida!
O Fred ficou fascinado e curioso com a casa e de forma não invasiva, sem demonstração de qualquer outro interesse oculto. Fez-me perguntas que, na ausência de resposta, me levaram a ir mais a fundo na história da casa. Desde quem seria o Arquiteto, e depois porque é que seria que o meu pai o tinha escolhido. Ao que eu me perguntava se não teria sido o inverso. Juntos e com as informações de alguns interessados na história da arquitetura colonial moçambicana, ficámos a saber que seria um projeto da autoria do arquiteto João José Tinoco.

No artigo que fizemos juntos no ano de 2021 sobre a procura e descoberta da Casa da Namaacha o Fred dizia: “(…) Até que me vi impressionado com a beleza da casa da Namaacha e quando vejo que a Zé pede informações e eu, com quem vê o cavalo selado passando diante de mim, me coloquei à disposição para encontrá-la. Afinal, quem não quer deparar-se com uma obra de arte e mergulhar nas histórias daquele álbum maravilhoso de memórias?” Sim, o Fred junto com o Elísio, e apenas com umas 5 fotografias impressas como fonte de informação, meteram-se um dia no carro e foram de Maputo à Namaacha à procura da casa das fotografias no meio do nada. E... encontraram! E ligaram-me em vídeo chamada para eu a ver.
Foi um dia para lá do explicável e completamente épico!

Quando é que você vem a Moçambique?
Escrevemos o artigo juntos e continuámos pontualmente a trocar mensagens via Whatsapp. Até que houve um dia em que o Fred veio a Portugal visitar os seus sogros e encontrámo-nos em casa dos meus pais, conhecendo assim a minha mãe e sentindo um pouco do meu pai na sala que foi decorada por ele.

A pergunta – Quando é que você vem a Moçambique? – surgiu um dia e comecei a interiorizar a ideia. Não era uma viagem barata para mim e tinha de poupar e planear para conseguir fazê-la. Assim que tomei a decisão de ir, como um “É agora ou nunca!” o Fred prontificou-se de imediato para me receber na sua casa em Maputo.

Quando achamos que não há mais espaço para alguém na nossa vida, o cosmos sorri e diz: “Ai sim?“. Recebi este maravilhoso presente chamado Fred, com ele recebi mais três, a sua família, e o espaço que achava que já não tinha aumentou, aumentou, aumentou e aumentou.

PREPARATIVOS
Falámos sobre a minha viagem e depois estivemos a tratar de pormenores para o meu bem-estar. Quer dizer… foi o Fred que tratou, tipo paizinho 🙂 (embora mais novo que eu…). 

Carregou-me o cartão Vodacom com dinheiro, tratámos de câmbios para meticais e afins. E do nada disse – Zé, vamos à Namaacha amanhã? -.
O meu mood desde que aterrei em Maputo era o de “‘bora”! É para ir a algum lado? Vamos! É para fazer algo novo? Vamos! Namaacha?!?!?! A sério?!? Sim!!!!!!!!"
O Fred combinou com o Elísio sairmos bem cedo no dia seguinte para eles repetirem a viagem e para eu fazê-la pela primeira vez.

APERITIVOS 
(em inglês: appetizers, para abrir o apetite)
Passámos o final da tarde no alpendre. A conversar até anoitecer. A Bia ia chegar tarde e ficámos a beber cerveja e a petiscar o tempo inteiro.

Final do dia no alpendre

Acho que não tivemos uma conversa seguida, porque estávamos constantemente a mudar de assunto. O Fred parece um pouco como eu… estamos a ouvir, atentos, e à medida que ouvimos pensamos em mil e uma coisas diferentes, estando constantemente a virar o rumo da conversa. Para quem mal se conhece, parece que nos conhecemos há mais de uma vida.

A noite ia chegando, bem cedinho. Não estou habituada a dias de calor com dias a acabar tão cedo, pensei. Em Portugal, no tempo do calor, às 21:00 ainda andamos na rua com a luz do dia. 

Assim que acabava uma cerveja (o tempo e África, de facto, puxam por uma fresquinha) o Fred apresentava-me uma nova marca. O processo de se levantar, ir à geladeira, estrategicamente colocada no alpendre, e retirar uma nova garrafa fazia-me sempre rir. A geladeira faz um barulho esquisito quando abre, ao ponto de me fazer olhar em frente, desviando o olhar de quem a abre, por respeito, fingindo que não ouviu. É que o barulho parece aquele som que os intestinos fazem quando alguém está com fome e já passou há muito a sua hora de comer.

As idas à cozinha do Fred eram frequentes para trazer petiscos. Desde uns maravilhosos Pretzels da Woolworth que lamentavelmente não existem à venda na Europa, a um húmus maravilhoso do qual fiz o favor de dar conta do recado. Sobre a Woolworth… Tenho uma série de produtos dos quais fiquei super fã. Percebo hoje o meu pai e os seus amigos quando falavam com saudades de alguns dos produtos comercializados pela África do Sul.

Que saudades destes Pretzels!

Fui ao quarto buscar três presentes. Os restantes dois ficariam para oferecer quando a Bia chegasse. Os presentes eram:
  • Uma tábua com um Salame com trufas, oferecido pela minha mãe. Ficou todo contente. Se soubesse que ia gostar tanto tinha trazido muitos mais petiscos. Mas como não sabia quais os seus hábitos e gostos, resolvi não arriscar.
  • O segundo presente, foi um presente nulo porque partiu-se na mala. Não o ofereci, mas não deixei de o mostrar. Era um azulejo com a fotografia da casa da Namaacha que nos conectou.
  • A caixinha 1. Para alguns uma coisa totalmente sem valor, mas para mim com um valor imenso. Nunca pensei em dá-lo a quem quer que fosse, e a única pessoa que tinha a certeza que o iria valorizar, para além de mim, seria o Fred.
A Caixinha 1
A caixinha, não tinha qualquer valor. Tinha comprado na Mega Loja Chinesa em Carnaxide. Tivesse tido mais tempo e mais arte teria personalizado a caixa, e exagerado, como exagero sempre. Mas não o fiz e até acho que o conjunto per si acabou por fazer todo o sentido. O que vale é o que trazemos dentro.

Expliquei-lhe o porquê daquele presente, mas não lhe contei todos os pormenores. Não por não o querer, mas porque quando falo, falo muito rápido e acabo por querer dizer tanta coisa que muitas coisas se perdem no caminho.

Por isso, hoje, escrevo tudo o que disse e que queria ter dito:
Podes achar que é apenas uma relíquia, mas desde pequena que me encantei com este objeto. Queria dar-te uma coisa que tivesse sido do meu pai, que representasse a sua vida aqui em Moçambique, e que tivesse muito valor para mim. 

Estava sempre guardado numa gaveta de uma estante branca do quarto dos meus pais, onde estavam guardadas medalhas e outros objetos que ele não queria expor. Gostava tanto dele que o meu pai me emprestou por uns tempos, na minha adolescência, e acredita que o usei sempre com muito orgulho.

Em algum momento a sua corrente partiu-se e não conseguindo concertar devolvi-o ao meu pai que o voltou a guardar no mesmo lugar.

Enquanto pensava, junto com a minha mãe sobre o que vos iríamos oferecer, no meio de livros que cheguei a colocar na mala, e que fui obrigada a retirar por não a conseguir fechar, a lembrança deste objeto não me saía da cabeça. Quando meto uma coisa na cabeça a minha mãe sabe que não descanso. Por isso, procurou, procurou até que achou.


Não sei de que altura é, mas o meu pai trouxe-o de Moçambique quando regressou definitivamente em 1975. Embora gestor, era um aficionado de tudo o que se relacionava com Marketing. Corrigia-me frequentemente nos meus 16 anos, quando me ouvia a dizer que gostava de Marketing. Perguntava-me porquê e eu respondia-lhe muito rápido, cheia de certezas: Por causa dos anúncios! O que eu adorava ver anúncios…

Dizia-me que Marketing não era somente Publicidade, anúncios giros, ou campanhas de lançamento. Marketing era estudar o mercado, ir ao encontro das necessidades, adequar-se ao público-alvo, e sim, por fim a promoção. Dizia-me que o fim era o princípio, explicando-me que depois do contacto com o público, começava tudo de novo, sempre em refinamento. Nunca podia parar. Da mesma forma, eu nunca poderia reduzir algo apenas ao seu resultado. Devia valorizar todo o processo. Considerar sempre que o resultado final é apenas um milestone, porque tudo está sempre em refinamento.

Uns podem olhar para o presente como um artigo vintage de merchandising. Eu olho-o como uma relíquia. Não sei sequer se foram feitos mais ou se este foi apenas uma prova. E se foram feitos mais, quantos mais foram e onde estarão. É tudo uma incógnita.

Mas uma coisa vale tanto quando o valor que se lhe dá, e eu dou-lhe muito. É “só” uma carica, não usada, da cerveja Laurentina, em resina, preservada, intocável, elegante, macia, vítrea, que antes tinha uma corrente para guardar…. chaves.

O Fred adorou 🙂

SOBRE A GRATIDÃO…
A dada altura a Bia chegou de regresso de viagem! Ainda não a conhecia e fiquei super feliz por a conhecer e ver a dinâmica encantadora do casal. Num ápice tomou banho e juntou-se a nós no alpendre.
“Finalmente!” pensei eu. Queria tanto dar todos os presentes que lhes havia trazido.

Enquanto o Fred mostrava os presentes que já havia recebido, aproveitei para ir buscar os restantes. A minha necessidade de lhes dar presentes era tão grande como o tamanho da minha gratidão por eles.

Ganhei aversão ao uso da palavra Gratidão. Ouvi-a demasiado numa altura menos boa da minha vida, por pessoas que a usavam de forma exagerada, subserviente e bajuladora e incomodava-me usá-la. 

Por isso, só em situações muito extraordinárias é que o faço. Procurei sinónimos para evitar o seu uso e acabei por chegar à conclusão que nenhum deles representava, tão bem, a magnitude do meu sentimento por esta família.

A Caixinha 2
Ora bem! O segundo presente foi na mesma linha de pensamento da carica da Laurentina. Também merchandising, também hoje considerado como vintage, mas desta feita da marca Canada Dry, marca igualmente relacionada com o meu pai. Um Zippo, com o emblema da Canada Dry em relevo.

Com este presente a minha relação não foi tão direta, mas entendo bem o valor dele como colecionável e sei que fica entregue nas melhores mãos possíveis.

E por fim mas não por último …
Não tinha ideia do quanto os meus novos amigos gostavam de arquitetura, de arte, sobretudo de, acho que a melhor palavra é mesmo esta: harmonia. 
Deixei para o fim, um presente que não era meu, mas que acabou por existir e selecionar o seu destinatário, por minha causa.
Um primo meu, artista plástico, grande amigo de desvarios e jantaradas, já me tinha dito que queria oferecer uma aguarela aos meus queridos e inesperados anfitriões. 

Ele é daquelas pessoas que quando promete, cumpre, e por isso mesmo faltando uma semana para a viagem, sem qualquer sinal da bendita aguarela, fiquei na minha. Num dos últimos dias antes da viagem ligou-me para irmos jantar juntos. Eu, que já não tinha tempo sequer para me coçar, torci o nariz, e ele para me convencer chantageou-me (in a good way) com um – Vá, anda lá! Se vieres faço a aguarela para o teu amigo, rindo-se.
Pois é… E fui! Foi esse o presente, uma aguarela do João Murillo. E o Fred e a Bia gostaram muito 🙂

CASULO
O dia já ia super longo e no dia seguinte tínhamos de acordar bem cedo para irmos para a Namaacha com o Elísio. Despedimo-nos, e fui para o meu novo quarto. Estive a verificar a carga de todos os equipamentos que queria levar para a viagem e depois preparei a mochila. Por fim, tomei banho e … cama.

Andei ali um pouco às aranhas a driblar com a rede anti bichos, daqueles que provavelmente iriam procurar ansiosamente uma gota de sangue de Zé. A rede era perfeita, a cama maravilhosa e grande. 

Uma vez no meu casulo era uma trabalheira sempre que queria acender a luz na mesa de cabeceira ou pegar no telemóvel, ambos fora do casulo.

Como tinha os dois powerbanks com bateria completa, peguei no que tinha ficado de fora da mochila do dia seguinte e levei-o para a cama comigo, junto com o telemóvel. Mandei mensagens ao meu pessoal do coração e adormeci.

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Este artigo foi originalmente publicado a 28 de fevereiro de 2023 na primeira versão deste blog "Eu sou por Tu Foste" e agora migrado para aqui.

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