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Dia 5 - Dia de não fazer nada no Tofo

Maputo, 29 de novembro de 2022, terça-feira

Acordar no Tofo

O dia anterior em viagem foi tanto que nem me recordo de encostar à almofada para dormir. Dormi maravilhosamente e acordei com a luz do dia bem cedinho. Não estranhei nada. Não estranhei acordar num lugar diferente, não estranhei os sons, a temperatura, nem a corajosa luz que conseguia entrar pelo quarto dos fundos adentro. Sentia-me estranhamente parte de um lugar que desconhecia por completo.

Os poucos planos que tinha tentado fazer para este dia tinham ido meio que “por água abaixo” por conta da minha decisão de abdicar dos serviços do Mário enquanto estivesse no Tofo e pelo insucesso nos contactos para marcar uma visita à ilha dos Porcos. Por isso não tinha nenhum horário a cumprir nem nenhum lugar onde ir, a não ser uma enorme necessidade de… comer!



Buffet à beira-mar

Arranjei-me, saí do quarto, e fui para a varanda do alojamento. Encontrei um espaço grande, arejado, luminoso, rodeado de vegetação, e com vista para um mar maravilhoso. Ver o alojamento assim, de dia, sem pressa, depois da minha primeira impressão na noite anterior, com pouca ou nenhuma luz, debaixo de chuva e extenuada, foi… um deleite.

Dirigi-me à mesa de buffet repleta de comida fresca e saudável para me servir e o Tico e o Teco começaram logo a discutir se eu podia, devia ou estaria proibida de experimentar qualquer coisinha. Se fosse pelo Tico não ia comer nada! E eu estava cheia de fome! Entre as recomendações que me tinham dado ainda em Portugal sobre as comidas e bebidas que não poderia comer por conta de doenças ou desarranjos que me poderiam por “KO” ali sozinha no meio do nada, e comidinhas boas que me poderiam por ainda mais chubby, pouco ou nada restava!

É altamente frustrante quando tentamos viver o momento, sem correr riscos, e abdicando de certos prazeres. “Esquece lá essa coisa do momento” pensas tu, ou então “no risk no pleasure”. “E agora, Mary? O que comer? Decisions, decisions, decisions…”. É nestas alturas que caímos em nós e pensamos na sorte que temos em ter a oportunidade de tomar essa decisão.

Acabei por ser sensata e selecionei uma fatia de pão de sementes, abdiquei dos lacticínios e da fruta já cortada, peguei numa peça de fruta por cortar, mais uma banana, e pedi um café, duplo, feito com água engarrafada (até eu, ainda hoje, acho ridículo isto, mas enfim, são águas engarrafadas passadas).

Demorei todo o tempo que precisei. Estava meio inerte. Sou uma pessoa que tem a cabeça sempre a mil e, ficar assim, sem nenhum objetivo, sem nada para fazer, num lugar desconhecido, sozinha, a gastar um dia dos preciosos dias contados da minha viagem, deixava-me inquieta. Por outro lado, parar, pelo meu bem-estar e equilíbrio emocional, era algo extremamente urgente. “Mas não é parar, Mary…. É ir à pendura com o tempo que o tempo demora aqui. É deixares-te ir”, pensava.

Compras saudosistas…

Depois do mata-bicho decidi pegar em mim e ir à procura da casa que vendia os gelados artesanais de uma amiga da minha amiga Magui, mas depois de umas quantas voltas à procura, rua acima e rua abaixo, sem sucesso, desisti. Mas valeu a pena o devaneio. Vale sempre a pena 😊. Num dos minimercados onde entrei encontrei o chocolate em pó Milo e os sabonetes Lifebuoy!

Ah! O que o meu pai gostava destes sabonetes! Acho que ainda gostava mais deles pelas sensações que o faziam voltar, em memórias, à sua vida em Moçambique. O seu prazer ao sentir aquele cheiro, ao olhar para aquela cor vermelha, a sua expressão de quem se recordava de algo maravilhoso, fizeram-me afeiçoar a todas essas sensações e quando vi os sabonetes fiquei ridiculamente eufórica e sobretudo feliz!

Acabei por comprar dois Lifebuoy’s dos mais tradicionais possíveis, os vermelhos, para trazer para Portugal. Curiosamente, hoje, enquanto escrevia, descobri que a Casa Bacharel, em Évora, fundada em 1896 pelo meu bisavô materno, mas já não negócio da nossa família, vende os sabonetes! Se já tinha argumentos ancestrais para a visitar, agora passei a ter impulsos consumistas para lá ir :P.

Para além dos Lifebuoy’s e do Milo que comprei por saudosismo, aproveitei para comprar mais umas comidinhas SOS para ter comigo, café solúvel, garrafas de água da Namaacha 😉 e bolachas, que me habituei a ter em pequenos pacotes para dar aos meninos da rua.

Como não tinha trazido muita roupa de Lisboa, resolvi ainda passar por uma pequena loja para comprar um vestido mais leve. Acabei por comprar um vestido azul com um corte meio desigual e uma capulana para oferecer à minha filhota.


‘Bora, esplanar

Voltei um pouco mais carregada ao alojamento por debaixo de um sol já bem quente. Guardei as minhas compras, coloquei o vestido novo, agarrei na minha Canon, no meu caderninho, num livro e fui “esplanar” para o restaurante-bar “Casa de praia” mesmo à entrada da praia junto ao meu alojamento.

Sentei-me à sombra, debaixo do grande palheiro. As mesas e cadeiras eram em madeira bem pesada, sobre a areia, o que me fez demorar um pouco mais na minha acomodação. Por fim, lá me ajeitei com o meu caderninho, livro, canetas Legami, Iqos e telemóvel em cima da mesa e a bolsa da Canon e carteira na cadeira ao meu lado.


Olhei em volta. Não tinha muitos clientes. Quando cheguei contei no máximo umas dez pessoas. A clientela era aparentemente estrangeira, maioritariamente feminina, elegante e com idades entre os 25 e 60 anos. Umas liam, outras curtiam a olhar para o mar, e apenas as mais velhas (que eu 😉) se juntavam em mesas a conversar com tons de voz quase inaudíveis. “Isto é que são realmente férias!” pensei, e tomei a decisão de que aquele lugar seria a minha âncora para o resto do meu dia.


Comecei a tentar escrever, comecei a tentar ler, mas não consegui ficar muito tempo focada. Quando não era distraída por algo ao meu redor, era distraída pelos meus pensamentos. Tinha o dia seguinte livre também e não tinha ainda quaisquer planos. Quem me conhece sabe que, embora goste de estar com os meus macaquinhos de vez em quando, não gosto de perder muito tempo. O simples facto de saber que tinha coisas que queria fazer no Tofo e ainda não saber como as fazer, deixava-me pouco sossegada.


Era pouco o movimento de pessoas no areal entre a esplanada e a linha do mar. Passavam ocasionalmente miúdos a tentar vender telas pintadas, bolsas feitas com capulanas, e o objeto mais original e cómico de todos: o rádio coco, que era exatamente isso: um rádio dentro de um coco 😛 Depois de fazer o cambio na minha cabeça entre meticais e euros lá acabei por comprar uma bolsinha básica e um saco de praia reversível, ambos feitos de capulanas.

Já com o menu na mão, optei por um almoço seguro: frango grelhado, e a loucura coloquei-a toda nas entradas: Chamuças de Caranguejo e Laurentina Preta bem fresquinha para acompanhar.


Afinal temos Ilha dos Porcos!

Enquanto esperava pelo meu pedido, o rapaz simpático, de nome Ruben Carlos, perguntou-me se já tinha algum programa para visitar o Tofo e arredores, e caso não tivesse se teria interesse em experimentar alguma das atividades que a empresa dele fornecia. Meio ainda descrente, respondi-lhe que tinha tentado no dia anterior contactar algumas pessoas para me levarem à ilha dos Porcos, mas não tinha tido sucesso algum.

Perguntei-lhe se algum dos programas era ir à ilha dos Porcos e ele respondeu-me que sim! Tinha vaga no barco para o dia seguinte se eu não me importasse de ir no mesmo barco com uns sul africanos! À medida que lia o preçário das várias atividades da empresa, os meus olhos iam arregalando “Quero, quero e quero!” pensava eu. Para quem minutos antes não tinha qualquer plano para o dia seguinte, passei a achar que precisava de muitos mais dias para fazer tudo aquilo que estava a ver.

Assim que o Ruben regressou com a Laurentina fresquinha e as chamuças com um aspeto para lá de guloso, perguntei-lhe cheia de expectativa na resposta: “E será que dá para ir amanhã à Ilha dos Porcos e ainda fazer este programa de passeio à Baia dos Flamingos e Por de Sol num Dhow?”. Respondeu-me que sim, e eu nem pensei mais um segundo: “Está fechado! Não se fala mais nisto! Como reservo?”.


Depois de tudo combinado para o dia seguinte, foquei-me no pecado que eram as chamuças que tinha à minha frente, deliciei-me…. e deixei-me ir em câmara lenta ao sabor do tempo.



Uma flor de mangericão no meio da areia

Quando achei que já estava há demasiado tempo sentada, agarrei na minha tralha, coloquei a Canon no pulso e fui passear ao longo da praia. Optei por ir no sentido contrário ao da praia do Tofinho, em direção à Barra. 


Mas… o que deveria ter sido um passeio descontraído acabou por ser um suplício, por conta dos rapazes para lá de insistentes a vender na praia. Só rapazes, aparentemente maiores que 16 anos e nenhuma miúda. Vendiam pulseiras, chapéus, telas, e tudo aquilo que não me fazia falta nem tinha vontade em comprar.

Como nem todos eram pica-miolos, acabei por comprar a um dos miúdos menos insistentes umas pulseiras em madeira para oferecer. Foi o “início” da picada! O problema de conversar e comprar algo a um é que, de repente, parece que passamos a ser a única flor de manjericão do mundo para um enxame de abelhas. Se pudesse, compraria algo a cada um deles, mas também sei que se o fizesse mais apareceriam. E assim foi… mal consegui estar sossegada para tirar uma fotografia de jeito.

Um dos miúdos mais crescidos, mais perspicaz, acabou por chamar à atenção um deles, o mais chatinho, dizendo-lhe que estava a estragar o negócio de todos, ao andar em cima das pessoas, afastando-as da praia.  A partir desse momento, comecei a ter um pouco mais de sossego.



O Hotel do Tofo

Andei, andei e quando decidi regressar, uma casa chamou-me à atenção pelo seu telhado triangular espaçado no meio. 

Atravessei o areal em direção às dunas até chegar ao primeiro degrau das escadas da casa. Tinha uma placa com “Casa Michelle”, onde informava que era propriedade privada e proibia a entrada à venda ambulante. Ainda hoje não sei explicar o porquê, mas subi as escadas…. Encontrei um grupo de miúdos jovens, aparentemente sul-africanos, e perguntei a uma das miúdas se sabia onde era o Hotel do Tofo. Estava convencida que seria ali perto…. Lá me indicou onde era e apercebi-me que era no mesmo lugar onde na noite anterior tinha andado com os pés de molho enquanto procurava por uma televisão para ver o Mundial de Futebol.

Fui ao encontro do Hotel do Tofo conforme me indicaram, agora chamado de Tofo Mar. 

Encontrei um funcionário à porta e pus-me à conversa com ele. 


Mostrei-lhe as fotografias que o meu pai tinha tirado ao hotel na sua inauguração há mais de 50 anos e ele acabou por me levar a passear pelas áreas comuns do hotel permitindo-me fazer algumas fotografias. 

O hotel parecia acabado de inaugurar de tão clean e vazio que estava.  Sei que algumas pessoas desgostam da arquitetura deste espaço, mas eu acabei por me afeiçoar às suas linhas pelas fotografias do meu pai e por isso fiquei feliz por vê-las cuidadas.



Quando o sol nos troca as voltas

O sol já estava na sua curva descendente e apercebi-me que estava a assistir a algo para mim completamente novo. Nunca tinha estado numa praia onde o sol se pusesse no lado oposto ao do mar, onde as casas, as árvores e a vegetação fizessem sombra sobre o areal…

Sou alguém que gosta de namorar com o sol e que gosta sobretudo de o ver a arranjar-se para ir deitar. Gosto de me despedir dele com um “obrigada por este dia” e no lusco-fusco costumo dizer-lhe “vemo-nos daqui a um bocadinho”.  Desta vez não o vi, e mesmo assim, o “até já” não deixou de ser solene e mágico.

Regressei ao bar “Casa da Praia” para me despedir do dia e do espaço, já que no dia seguinte, o último dia cheio no Tofo, não iria ter oportunidade de lá voltar. Pedi, obviamente uma Laurentina Preta e fiquei a ver a luz que ainda imanava das pontas dos raios do sol a desaparecer.


Perfeito é…

Quando voltei ao alojamento tomei a decisão de não jantar e fazer um festim no quarto com as comidinhas SOS que tinha comprado no mini-mercado. Tomei um belo banho sempre a tentar não olhar para o sifão, com aquele parvo receio de um qualquer bicho rastejante aparecer de repente e por fim deitei-me sobre a cama cheia de pétalas (muito American Beauty, by the way) para ligar para o meu grupo de queridos que acompanhavam a minha viagem no WhatsApp.

É estranho olhar para um momento destes como um momento de perfeição, mas foi exatamente essa a sensação. Enquanto rebolava feliz pela cama cheia de pétalas, lavadinha, e falava com os meus que estavam tão longe mas naquele momento ali tão perto, tudo me pareceu perfeito 😊.


Acabei por adormecer ao som da minha playlist na minha coluna portátil.


INDICE DO DIÁRIO DA VIAGEM A MOÇAMBIQUE | VER O DIA SEGUINTE

Este artigo foi originalmente publicado a 9 de maio de 2023 na primeira versão deste blog "Eu sou por Tu Foste" e agora migrado para aqui.

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